No Brasil, quem vem primeiro? A piada ou o amigo? Não sei vocês, mas tenho defendido um mundo que perca a piada, mas não o amigo. Mas logo alguém vai responder: “Ah! O mundo tá chato!” – este tem sido o comentário para muitos que consideram exagero quando alguém decide falar abertamente sobre injustiças e piadas que passam dos limites. Afinal, somos um povo muito bem humorado e sempre curtimos uma piada, ainda mais quando estamos em grupo de amigos.
A questão não é que o mundo tá chato, continuamos bem-humorados, mas é que o mundo mudou e tá mais consciente mesmo. Rir da desgraça alheia ou da fragilidade do outro, ou até mesmo da ingenuidade de alguém, deixou de ter a mesma graça de outras épocas. Estamos mudados e, como é de se esperar, aquilo que nos faz tirar o riso também está mudando.
Na última semana, por exemplo, um grupo de brasileiros esteve na Rússia para torcer pelo time do Brasil. Acabou que, por “brincadeira”, torceram contra uma pátria inteira que se envergonhou com o fato de eles terem abordado uma mulher estrangeira que não entende Português e inventado um “hino” machista.
O ditado já diz “a gente perde o amigo, mas não perde a piada”. Será mesmo que a piada vale mais que um amigo? Nós brasileiros somos conhecidos no mundo todo como um povo animado, festivo e amigo! Temos desbancado muita gente inflexível e rígida pelo mundo com nossos abraços e sorrisos. Muitos gringos querem aprender conosco essa alegria de viver de bem com a vida e saber ser grato pelo que tem, aprendendo a criar soluções alternativas para tudo. Esse perfil tipicamente brasileiro tem, inclusive, enchido os olhos de muitas empresas internacionais que buscam essa criatividade e flexibilidade no mundo dos negócios.
Nesse caso, em específico, os amigos brasileiros que estiveram na Rússia nos decepcionaram e acabaram por perder o amigo para manter a piada. Mas agora estão encarando críticas, xingamentos e retaliações dos próprios brasileiros. Já pediram desculpas, já entenderam que erraram e fica a lição para a vida: os tempos são outros! A história só demonstra numa proporção muito leve aquilo que acontece de pesado todos os dias em casa.
Num país em que 472 mulheres morrem por crimes machistas ao mês, e 75% dos brasileiros admitem viver num país machista, está mais que na hora de mudarmos e repensarmos atitude. Mas não adianta apenas cair em cima daqueles que se expuseram numa mancada em nível internacional. O que os meninos fizeram lá, embora muitos estejam os acusando como monstros neste momento, acontece todos os dias de modo muito sutil em vários ambientes. Em forma de piadinha, chefes coagem funcionárias, pais oprimem filhas, gerentes pressionam suas subordinadas, companheiros chantageiam suas companheiras e por aí vai. Ao lado disso, uma mídia que veicula músicas e propagandas que também reforçam esse estereótipo do machismo.
A questão, por fim, é compreendermos quem é nossa prioridade afinal: o amigo ou a piada? E aproveitarmos o momento de “vergonha alheia” para repensarmos nossas piadinhas internas que embora não viralizem no youtube e virem notícia também podem ser nocivas e pesadas para a vida de uma mulher. E paralelo a tudo isso, gosto sempre de pensar no lado positivo das coisas.
Se, por um lado, temos uma lição a ser aprendida para repensarmos a piada, de outro, tem a importância de não criticarmos todos os brasileiros ou perdermos a esperança só porque um grupo nos envergonhou. Por isso, saibam também que, apesar de não virarem notícia, tem muito brasileiro fazendo bonito por aí, ajudando pessoas do mundo todo a serem mais amigáveis, criativos e acolhedores. São brasileiros que viajam o mundo falando bem do país, representando e respeitando a linguagem cultural, trabalhando firme em busca de sonhos e mostrando que a ética também pode ser uma virtude brasileira, ao contrário do que muitos pensam.
No Brasil desses brasileiros, o amigo vem primeiro, a piada vem depois.
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