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HAGSPLOITATION: O Subgênero esquecido do cinema que explorava atrizes

Bette Davis e Joan Crawford em uma das primeiras cenas de “O que terá acontecido a Baby Jane”.

Nas décadas de 30, 40, 50 e 60 uma coisa era certa, se uma grande estrela de cinema envelhecia, era evitada e não recebia mais propostas como no auge da carreira ou da juventude – não que isso seja muito diferente de hoje, mas, podemos concordar que já foi muito pior – então, para continuar trabalhando e manter a carreira, dezenas de atrizes tiveram de se submeter a atuar em filmes de terror que destruíssem a imagem de mulheres fortes que interpretaram durante a vida, em troca de papéis de personagens psicóticas, assassinas e aterrorizantes.

Nos anos 60, vários filmes de terror tomaram conta das rodas de conversa e foram aclamados pelos fãs e crítica, como o clássico “O bebê de Rosemary”, mas, ainda não seria essa obra que daria o start para o subgênero de terror que dá nome ao título dessa matéria. Foi em 1962, que o aclamado “O que terá acontecido a Baby Jane?” abriria as portas para uma década de novos filmes de terror.

A trama trazia duas das maiores atrizes da era de ouro do cinema americano, Bette Davis, na época com 54 anos e Joan Crawford, com 58, ambas em decadência nas carreiras e apontadas como arqui-inimigas dentro e fora das telonas, nos papéis de Baby Jane e Blanche respectivamente. Na trama, Jane (Davis) cuida da irmã paraplégica Blanche (Crawford). Ambas foram atrizes muito famosas, mas agora sofrem com a falta de papéis e o fim dos dias de glória, (coincidência, não?) vivendo reclusas em uma casa onde as lembranças de seus passados são as únicas coisas que ainda as mantém vivas. O problema está na sanidade mental de ambas, que dia a após dias se deteriora e o relacionamento entre as duas se torna doentio e mortal.

O mais incrível disso tudo foi o gás que a atuação de ambas recebeu, tendo em vista que as atrizes se odiavam na vida real. Os estúdios, na época, se aproveitaram dessa rivalidade e fizeram questão de espalhar boatos sobre ambas na imprensa para alimentar ainda mais o ódio mútuo. Baby Jane foi um sucesso de bilheteria e foi aclamado pela crítica, recebendo cinco indicações para o Oscar, incluindo melhor atriz para Bette Davis, o que deixou Joan Crawford mais furiosa ainda, por ser esnobada nas indicações daquele ano. Nascia aí o Hagsploitation, derivado da palavra Hag que significa bruxa velha, ou um termo pejorativo para se tratar de velha e feia e exploitation, que significa exploração.

Basicamente o termo nos diz que este é o subgênero em que você verá velhas loucas que antigamente eram lindas donzelas e que agora interpretam assassinas lunáticas, um terror que levou lucros estratosféricos aos estúdios de cinema, tudo graças a Baby Jane. E se, por um lado os estúdios exploravam a sanidade mental das personagens nesse subgênero, as atrizes podiam contar com mais alguns bons anos de lucros e de trabalho, pois, só assim os executivos de cinema continuariam se interessando em contratar atrizes de certa idade para seus filmes.

Bette Davis e Joan Crawford

Na série Feud de 2017, que conta a história da rivalidade entre Bette e Joan, o termo Hagsploitation é creditado a Jack Warner, dono da Warner Brothers na época. Em uma das cenas, o personagem fala que foi ele quem criou o termo que, a partir dali, se tornaria uma febre em toda a década de 60 e início dos anos 70.

Logo em seguida ao sucesso de Baby Jane, ambas Bette e Joan estrearam outros dois clássicos do Hagsploitation, “Alguém Morreu em Meu Lugar” e “Almas Mortas”, ambos de 1964, pegando carona no título em inglês “Whatever Happened to Baby Jane?”. Outros títulos copiavam descaradamente a ideia, como: “Whatever Happened to Aunt Alice”, (Mansão dos Desaparecidos) estrelado por Geraldine Page, “What’s the Matter With Helen” (Obsessão Sinistra) com Debbie Reynolds e Shelley Winters e “Whoever Slew Auntie Roo” (Fábula Macabra) também com Shalley Winters.

Joan Crawford em “Almas Mortas, Shelley Winters em “Fábula Macabra, Bette Davis em “Alguém Morreu em Meu Lugar” e Debbie Reynolds em “Obsessão Sinistra”.

Ainda podemos citar “A Dama Enjaulada”, com Olivia de Havilland, “Eu vi que foi você!” e “Espetáculo de Sangue”, ambos de Joan Crawford e “Com a Maldade na Alma”, com Bette Davis, Agnes Moorehead, Mary Astor e Olivia de Havilland (que substituiu Crawford depois de uma série de desentendimentos da atriz com a produção e com a própria Bette). Mas o que todos estes filmes tinham em comum? Acertou quem disse que as protagonistas eram todas atrizes premiadas na juventude e que agora faziam papéis de velhas insanas e perigosas.

Agnes Moorehead em “Com a Maldade na Alma” e Olivia de Havilland em “A Dama Enjaulada”.
Agnes Moorehead em “Com a Maldade na Alma” e Olivia de Havilland em “A Dama Enjaulada”.

O Hagsploitation tinha como principal fundamento, mulheres de meia idade como protagonistas que, de alguma forma, enlouqueciam por algum acontecimento do passado e passavam a vida se lamentando pelo mesmo ou nutrindo uma raiva que as transformaria em criminosas hediondas no futuro, como é o caso de Baby Jane, por exemplo.

Mais tarde, algumas dessas atrizes confessaram que só se “rebaixaram” em protagonizar esses filmes por dinheiro e pela óbvia falta de ofertas de trabalho, o mais surpreendente é que mesmo se submetendo a esse tipo de papéis, o sucesso era tanto que quase nenhuma atriz da época se recusava em participar de um longa do gênero.

Os anos se passaram e o subgênero acabou esquecido ou difícil de identificar dentro de outras tramas,.Sucessos como “Louca Obsessão”, de 1990, lançado quase 30 anos após a febre do Hagsploitation e que rendeu a Kathy Bates seu Oscar de melhor atriz naquele ano, é um dos exemplos de que o subgênero notoriamente nos mostra o machismo da indústria cinematográfica, onde as atrizes que não eram mais consideradas atraentes o suficiente para os executivos homens, se submetiam ao único gênero com papéis disponíveis para sua faixa etária, de velhas feias, loucas e assassinas.

Kathy Bates em Louca Obsessão, de 1990.

Por outro lado, esses filmes de terror ajudaram a alavancar as carreiras dessas atrizes e impediram que elas caíssem no esquecimento. Com um alto custo, trabalharem em filmes cujo gênero as ofendia e explorava, uma atitude louvável e que só nos mostra a força dessas mulheres e seu desejo de se manter ativas e trabalhando após uma certa idade e, também, como precisamos desmistificar cada dia mais esses rótulos machistas e discriminatórios nos dias de hoje.