Quando a pauta é depressão - a tal melancolia tão mencionada em músicas, filmes e poemas da década de 80 –, uma série de pré-conceitos se instala na minha e na sua mente, que, diante do tabu que a doença ainda representa na nossa sociedade, está programada para imaginar alguém que vive com semblante tristonho, reclamando da vida e “chorando pelos cantos”.
No entanto, a depressão não necessariamente cumpre essa cartilha de estereótipos que nos foi impressa. O chamado “mal do século” tem diversificadas maneiras de se manifestar, e para que possamos detectar os sintomas multifacetados desse estado do sentir, precisamos desconstruir algumas concepções generalizadas e ressignificar a maneira como interpretamos esse termo, já que ele parece estar, a cada dia, mais presente nas conversas que surgem no nosso cotidiano.
1 - Depressão sem banalização
A princípio, é importante lembrarmos que a depressão – reconhecida como doença pelas organizações de saúde em meados do século XIX – é realmente uma patologia que está relacionada com a dificuldade que o cérebro encontra em realizar sinapses responsáveis pela sensação de bem-estar e felicidade. Desse modo, atribuir esse termo a um dia ruim, uma frustração ou chateação momentânea é banalizar esse problema de saúde e negligenciar as graves implicações que essa doença impõe a quem involuntariamente se submeteu a ela.
É fundamental que tenhamos esse cuidado na hora de interpretar um evento negativo que ocorre nas nossas vidas, porque a depressão é real e demanda atenções específicas, certo?
2 - Depressão não é ócio, nem preguiça
Infelizmente, ainda nos deparamos com discursos precipitados no que diz respeito à depressão. A falta de leitura acerca do tema faz com que pessoas não muito distantes de nós e que não experimentaram os efeitos dessa doença propaguem frases como: “Depressão é falta do que fazer”. Não, depressão não é falta do que fazer, definitivamente.
Depressão é ter uma pilha de coisas para fazer e não encontrar forças para fazê-las, por exemplo. Depressão, para muito além do que é possível expressar em palavras, é uma doença que atrasa, bloqueia, impede a realização de coisas que, aos olhos dos ignorantes (no sentido de que ignoram conhecimento e informação sobre o assunto), parecem simples, uma questão de levantar o “bumbum” da cadeira. Só que não. Não mesmo!
3 - Estar deprimido é também estar apático e não conseguir fazer planos
Para além da ideia de que estar deprimido é estar extremamente triste, com o astral lá embaixo, o choro fácil e o olhar vazio, ter depressão é estar apático e não se sentir motivado a planejar. Frente aos convites normalmente inspiradores, atraentes e que “qualquer um” não recusaria, o(a) deprimido(a) se sente indiferente, sem ânimo, sem desejo, imobilizado pela ausência do querer. “Vamos ao cinema?” não o comove; “E que tal uma praia?” sequer faz cócegas. Por conta disso, planejar viagens, cursos, compras, torna-se algo muito difícil para quem foi alcançado pela depressão.
A dificuldade em desenvolver perspectivas futuras é um dos mais significativos sintomas da doença, acompanhado da preferência por estar só – ao que chamamos de isolamento social –, ainda que ambos comportamentos não sejam pré-requisitos para o diagnóstico.
O poeta português Fernando Pessoa, no seu poema “Tabacaria”, diz: “Não sou nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Esse fragmento do poema soa quase como uma descrição do que sente quem tem depressão, não fosse pela última parte.
A depressão venda nossos olhos, não permite que vislumbremos o que há mais à frente; ela nos priva de sonhar. Tem coisa mais cruel que isso?
4 - A depressão sai de casa
Ainda que haja essa resistência a aceitar convites e planejar momentos, por vezes, o(a) deprimido(a) aceita e planeja. E isso demanda a ele(a) um esforço gigante e louvável, além de que desconfigura a ideia de que pessoas com depressão não levantam da cama. Essa imagem da depressão que não permite sequer o banho está condicionada ao estágio da doença e, também, aos rótulos atribuídos a ela. Há deprimidos e deprimidas no trabalho, na faculdade, na balada... A depressão não exige o enclausuramento; ela desencoraja o sair de casa.
Assim, é preciso que abandonemos os preconceitos e estejamos atentos ao fato de que os sorrisos também podem esconder dores imensas, em quaisquer ambientes.
5 - Depressão não tem porquês, mas apesar de
A maioria das pessoas que não buscaram se informar suficientemente sobre a depressão costuma questionar os porquês de alguém que aparentemente tem tudo para ser feliz estar deprimido. “Poxa, mas uma menina tão bonita como você... Como pode ter depressão?”; “Um rapaz tão inteligente... Por que se deixa estar deprimido?”; “Uma mulher tão forte... Como foi se entregar desse jeito?”; “Um homem tão bem-sucedido, com família, dinheiro... Por que tem depressão?”.
Pessoas, parem! A depressão não se dá “porque”, ela acontece “apesar de”. Apesar de ela ser uma moça tão bonita, apesar de ele ser um cara tão inteligente, apesar de ela ser uma mulher tão forte, apesar de ele ser um homem tão bem-sucedido, eles têm depressão. E mais importante que entender as razões para que a doença tenha se manifestado sobre eles é desenvolver a empatia.
Ainda que tenhamos características que nos enaltecem, nenhum de nós está imune a um problema de saúde como a depressão, e fazer esse tipo de pergunta faz parecer que a responsabilidade sobre a doença é de quem está doente, como se ter depressão fosse uma opção ou uma desvalorização consciente do que se é e se tem. Não é, ok?
Depressão não pede licença. Vem e se instala. E lidar com essa visita indesejada é um dos maiores desafios que temos como donos do nosso lar, que somos nós mesmos.
Por fim, eu, você e todo o mundo precisamos falar de depressão com clareza e, especialmente, delicadeza. Depressão é papo sério e muito mais complexo do que aprendemos que é. Ler sobre o assunto, buscar desenvolver a compreensão, a solidariedade e o afeto são meios que, junto à vitamina D, ao exercício físico e à medicação prescrita, amenizam os sintomas e, quiçá, possibilitam a cura. Dentro de um quadro depressivo, acredite, existe um alguém que, se conseguisse querer muito alguma coisa, sem dúvidas, iria querer ser feliz.
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